Terras raras e urânio no Extremo Sul: Bahia entra no mapa da disputa geopolítica global

O Extremo Sul da Bahia, região historicamente marcada por desigualdades sociais, conflitos fundiários e carência de políticas públicas estruturantes, está no centro de uma nova corrida global por minerais estratégicos. Com forte presença de comunidades tradicionais e alta biodiversidade, cidades como Prado, Caravelas e Nova Viçosa passaram a atrair o interesse de grandes corporações estrangeiras após a confirmação da presença de elementos de terras raras e urânio no subsolo regional.

A movimentação mais recente é da empresa americana Energy Fuels, que adquiriu 17 concessões minerais entre Prado e Caravelas, totalizando 15 mil hectares e investimento de R$ 134 milhões. O objetivo é abastecer, a partir da Bahia, a cadeia industrial dos EUA com areia de monazita, rica em terras raras e urânio — materiais fundamentais para tecnologias como baterias de carros elétricos, turbinas eólicas e equipamentos aeroespaciais.

O novo petróleo

Consideradas o "ouro do século 21", as terras raras são um grupo de 17 elementos químicos de difícil extração e separação, mas cruciais para a transição energética global. Hoje, mais de 85% da produção mundial vem da China. Diante disso, os EUA e países aliados buscam diversificar fornecedores — e o Brasil, segundo maior detentor de reservas, tornou-se peça-chave no tabuleiro geopolítico.

No entanto, o país ainda não possui uma legislação específica para esses minerais. Projetos de lei estão parados no Congresso desde 2014, e o setor opera sob o antigo Código de Mineração, de 1967. A ausência de um marco regulatório favorece negociações opacas e abre espaço para a exploração desordenada. O governo Lula promete lançar até a COP30, em novembro, uma política nacional para minerais críticos, o que poderá atrair mais investimentos — e também mais pressão internacional.

Conflito de interesses

A disputa global pelas terras raras se intensificou após declarações de representantes do governo americano sobre o interesse direto nos recursos brasileiros. A reação do presidente Lula foi imediata: “Temos todos os minerais ricos que vocês querem. Mas aqui ninguém põe a mão”. Apesar da retórica soberana, empresas dos EUA, Canadá, Austrália e Holanda já operam ou negociam operações no Brasil, com foco em estados como Goiás, Minas Gerais, Rondônia — e agora, Bahia.

O projeto da Energy Fuels no litoral sul baiano prevê a extração de até 10 mil toneladas por ano de areia de monazita, com produção de até 5 mil toneladas de óxidos de terras raras, potencialmente por décadas. A empresa destaca que a mineração será superficial e de baixo custo, com uso de dragas e escavadeiras. Estudos preliminares indicam teores de monazita entre 0,6% e 12,8%, com presença significativa de urânio, o que pode gerar preocupações adicionais sobre a segurança e a destinação dos resíduos.

O que está em jogo na Bahia

O avanço desses projetos levanta uma série de alertas para a região. Além do risco de contaminação ambiental e conflitos com populações locais, há a possibilidade de exportação bruta de recursos estratégicos, sem agregação de valor, emprego qualificado ou contrapartidas sociais relevantes. Hoje, o lítio brasileiro é exportado para a China e retorna como bateria — modelo que parte da sociedade civil e lideranças locais desejam evitar.

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